quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Banco Bradesco é condenado a restituir valores referentes a capitalização mensal de juros cobrados indevidamente de cliente

Ponderou o relator do recurso de apelação que "o princípio pacta sunt servanda não é óbice à exclusão de cláusulas contratuais consideradas abusivas, restando, portanto, superada a tese de que o contrato não estaria submetido à possibilidade de revisão"


Dando provimento ao recurso de apelação interposto por Friends Agência de Turismo contra decisão do Juízo da 2.ª Vara Cível da Comarca de Foz do Iguaçu que julgou improcedente o pedido formulado na inicial (prolatada nos autos nº 007660-85.2010.8.16.0030 da ação revisional de contrato ajuizada contra o Banco Bradesco Financiamentos S.A.), a 17.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença para afastar a capitalização mensal de juros, descaracterizando a mora do devedor, determinar a restituição simples dos valores indevidamente cobrados, afastar a cobrança das taxas administrativas e aplicar o CDC (Código de Defesa do Consumidor).


Aplicando ao caso o regramento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ponderou o relator do recurso de apelação, desembargador Vicente Del Prete Misurelli: "É firme o entendimento de que se aplica a legislação de proteção ao consumo às instituições financeiras (Súmula 297, STJ), de modo que o princípio pacta sunt servanda não é óbice à exclusão de cláusulas contratuais consideradas abusivas, restando, portanto, superada a tese de que o contrato não estaria submetido à possibilidade de revisão".


O recurso de apelação


Inconformada com a decisão de 1.º grau, Friends Agência de Turismo interpôs recurso de apelação sustentando a possibilidade de revisão do contrato, a limitação da taxa de juros simples e a impossibilidade da capitalização de juros. Pediu a descaracterização da mora do consumidor, a devolução dos valores cobrados a maior e a inversão dos ônus sucumbenciais.


O voto do relator


Consignou inicialmente o relator do recurso: "As partes firmaram contrato de financiamento (fls. 19) do valor de R$ 5.092,92 em 18 prestações de R$ 282,94 cada. Sobre o financiamento incidiu a taxa de juros mensal de 3,77%, e anual de 55,89% e outros 07 contratos da mesma natureza com valores diversos (fls. 22 e ss)".


"No tocante à cobrança das taxas de abertura de crédito e taxa de emissão de carnê e outras taxas, estas representam repasse de despesas administrativas inerentes à atividade financeira realizada pela apelante e, por isso, afigura-se abusiva a transferência ao financiado. A cláusula que estipula o repasse dessa tarifa é nula de pleno direito, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada e é incompatível com a boa-fé e a equidade (art. 51, IV, do CDC). Vale citar: ‘(...) Os custos administrativos da operação creditícia, como de emissão do boleto e de análise de crédito, não podem ser transferidos à parte hipossuficiente da relação, sob pena de caracterizar evidente abusividade, já que são inerentes à própria atividade da instituição financeira, e não guardam propriamente relação com a outorga do crédito'. (TJPR - AC 392.643-6 – 17ª Câm.Cív. – Rel. Des. Renato Naves Barcellos – Julg.: 18/07/2007)."


"Assim, mostra-se equivocada a determinação de manter tais taxas administrativas, de modo que deverão ser afastadas e, consequentemente, reformada a sentença."


"É firme o entendimento de que se aplica a legislação de proteção ao consumo às instituições financeiras (Súmula 297, STJ), de modo que o princípio pacta sunt servanda não é óbice à exclusão de cláusulas contratuais consideradas abusivas, restando, portanto, superada a tese de que o contrato não estaria submetido à possibilidade de revisão."


"Referente à capitalização mensal de juros, diferentemente do decidido na sentença, pela análise do contrato resta evidenciada, pois a taxa anual definida (55,89%), não corresponde ao duodécuplo da taxa mensal (3,77%) que é 45,24% (fls. 19)."


"Com isso, para que se admita a cobrança nestes termos, deve haver pactuação expressa, o que não se verifica no caso em apreço."


"E, nem se diga que a previsão destes índices, no preâmbulo do contrato configura expressa pactuação, pois conforme regramento do Código de Defesa do Consumidor (artigos, inciso III e 54, §§ 3º e 4º), a informação deve constar de forma clara e ostensiva no contrato. Neste sentido: ‘Tratando-se de contrato tipicamente de adesão, a eventual disposição a respeito de capitalização de juros deve ser redigida em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar a compreensão pelo consumidor aderente -- art. 54, § 3º, CDC -- não bastando para validar a prática da capitalização mensal a simples previsão no pacto de taxa nominal e efetiva diversa de juros, ou mesmo a inserção da expressão "capitalizados mensalmente" sem qualquer destaque ou forma de possibilitar inequívoca identificação por parte do consumidor, detentor de hipossuficiência técnica'. (TJPR - 17ª C. Cível - AC 0677236-1 - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Francisco Jorge - J. 30.06.2010).


"Assim, é de se reformar a decisão para afastar a capitalização de juros e determinar que se aplique o cômputo dos juros de forma simples."


"Como consequência da declaração de ilegalidade da capitalização de juros, é devida a restituição simples dos valores indevidamente cobrados, para se evitar o enriquecimento ilícito do apelado. A prova do erro, nestes casos, é dispensável (súmula 322/STJ)."


"Por conseguinte, o reconhecimento da indevida capitalização mensal de juros implica necessariamente em "abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual", o que descaracteriza a mora, nos exatos termos da Orientação nº 2 do STJ: ‘ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual'. (STJ – RESP 1061530/RS – 2ª Seção – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJE 10/03/2009).


"O reconhecimento de abusividade nos encargos exigidos durante a normalidade contratual, como a capitalização mensal de juros aqui verificada, descaracteriza a mora do consumidor."


"Por fim, considerando-se a presente modificação da sentença, condeno o apelado ao pagamento integral de custas e honorários, estes no mesmo valor fixado na sentença (fls. 88), que bem atende ao trabalho desenvolvido nos autos e aos demais critérios do art. 20, § 3º, do CPC."


"Ante o exposto, dou provimento ao recurso para o fim de afastar a capitalização mensal de juros descaracterizando a mora do devedor, determinar a restituição simples dos valores indevidamente cobrados, afastar a cobrança das taxas administrativas e aplicar o CDC na forma acima fundamentada."


A sessão de julgamento foi presidida pelo desembargador Lauri Caetano da Silva (sem voto), e dela participaram o desembargador José Carlos Dalacqua e o juiz substituto em 2º grau Francisco Carlos Jorge, os quais acompanharam o voto do relator.


Apelação Cível n.º 823852-8

Fonte | TJPR - Quarta Feira, 14 de Dezembro de 2011

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